16 setembro 2014

O SISTEMA DE ÍNDICES DE SUSTENTABILIDADE URBANA

O Sistema de Índices de Sustentabilidade Urbana (SISU)
 
O Sistema de Índices de Sustentabilidade Urbana (SISU) tem por objetivo fornecer uma ferramenta de análise da sustentabilidade nos aglomerados metropolitanos brasileiros.
Faz parte, portanto, do esforço acadêmico desenvolvido recentemente, no Brasil e em outros países, para a construção de índices e indicadores de sustentabilidade. Desse modo, refletindo o estado da arte, nacional e internacional, na elaboração desses índices e indicadores, o sistema apresentado neste artigo, certamente, ainda está sujeito ao aperfeiçoamento inerente ao debate acadêmico e com todos os politicamente interessados.


O Sistema de Índices de Sustentabilidade Urbana (SISU) tem por objetivo fornecer uma ferramenta de análise da sustentabilidade nos aglomerados metropolitanos brasileiros.
Sistema de Índices de Sustentabilidade Urbana

Como poderia se esperar, a construção do sistema de índices deparou, inicialmente, com o problema de tornar comparáveis os dados, geralmente, de diferentes fontes, produzidos em escalas distintas, com cobertura espacial e distribuição temporal diversas. Compatibilizar essas informações não é uma tarefa simples, tornando-se mais complexa quando, muitas vezes, não se dispõe de informações e necessita-se construir proxies adequadas. Essas limitações iniciais, longe de se transformarem em impedimentos, acabaram servindo como desafios, respondidos sem se perder o necessário rigor que o tema sustentabilidade exige.

 O Sistema de Índices de Sustentabilidade Urbana: concepção e composição


A abordagem escolhida foi a da construção de um sistema de índices temáticos, como adotado pelas versões mais recentes do Programa de Indicadores Urbanos do Habitat (UNCHS, 2004), dos Indicadores de Desenvolvimento Sustentável das Nações Unidas (United Nations, 2001) e do Indicadores de Desenvolvimento Sustentável-Brasil 2004 (IBGE, 2004), em lugar da construção de um único índice síntese. Isto porque, se por um lado, os índices sintéticos, ou compostos, possuem a clara vantagem de uma comunicação ágil, por outro, são muitas as críticas a eles dirigidas. Argumenta-se, com propriedade, que indicadores sintéticos reduzem a dimensão das diferenças e escondem desigualdades e heterogeneidades internas às unidades de análise (UNDP, 1992; Herculano, 2000; Fundação Seade, 2002). De fato, testes estatísticos realizados pelos autores com o conjunto inicial de variáveis coletadas pelo projeto de pesquisa que deu origem a este artigo, revelaram a baixa sensibilidade de um índice sintético para discriminar, significativamente, as diferentes unidades de análise no contexto dos indicadores aqui calculados.

Em consonância com a definição de sustentabilidade urbana aqui adotada (item 1), o SISU é composto por três índices temáticos: índice ambiental, índice de capacidade político-institucional e índice de desenvolvimento humano municipal. Cada índice mede o progresso em relação a um conjunto de objetivos relacionados à sustentabilidade urbana. O primeiro índice mede as prioridades de sustentabilidade urbana relativas à melhoria da segurança ambiental e à prevenção da degradação. O segundo mede as prioridades de sustentabilidade urbana relativas ao fortalecimento da cidadania e promoção do engajamento cívico. O terceiro mede as prioridades de sustentabilidade urbana relativas à superação da pobreza e promoção da equidade.

Os índices ambiental e capacidade político-institucional foram elaborados e construídos pelos autores no âmbito da pesquisa aqui mencionada. O índice de desenvolvimento humano municipal é aquele produzido pelo IBGE/FJP/PNUD, que consiste em uma aplicação da metodologia do IDH (Índice de Desenvolvimento Humano) do Programa de Desenvolvimento das Nações Unidas (UNDP) para o contexto dos mais de cinco mil municípios brasileiros.

Os índices temáticos são formados por um conjunto de indicadores, que por sua vez são compostos por uma série de variáveis relativas aos fenômenos estudados, observadas diretamente ou como proxies.

A escolha preliminar dos indicadores e variáveis foi baseada nas matrizes de sustentabilidade propostas no projeto Biodiversidade, População e Economia (Paula, 1997), nas variáveis e indicadores utilizados no ESI (Environmental Sustainability Index) (Environmental Sustainability Index, 2002) e nos indicadores do Programa de Indicadores Urbanos do Habitat (UNCHS, 2004). 

Obviamente, foi necessário realizar adaptações importantes de modo a adequar os indicadores e variáveis à escala local e à realidade metropolitana. Os critérios considerados para tanto foram: a) relevância, isto é, capacidade da variável em traduzir o fenômeno; b) aderência local, isto é, a capacidade da variável (indicador) em captar fenômeno produzido ou passível de transformação no plano local; e c) disponibilidade, cobertura e atualidade dos dados.

A escolha final das variáveis foi feita através de abordagem indutiva, por meio de análise de correlação e análise multivariada de componentes principais (ACP). As variáveis que mostraram alta correlação com outras variáveis contidas no indicador foram excluídas. Na ACP, aquelas que mostraram baixo poder explicativo da variância total foram excluídas.

O Índice Ambiental é composto por oito indicadores. Quatro deles medem a qualidade do ambiente no momento presente, tanto em relação ao ambiente natural –recursos hídricos e cobertura vegetal– quanto em relação ao ambiente construído –serviços sanitários e qualidade da habitação– e se relacionam tanto aos objetivos de segurança ambiental quanto aos objetivos de prevenção da degradação. Os outros quatro indicadores se relacionam inversamente com o estresse ambiental gerado pela intervenção antrópica sobre as áreas urbanas e são uma medida dos objetivos de segurança ambiental e prevenção da degradação.

Os indicadores utilizados em relação à qualidade do ambiente foram:


- Recursos hídricos. A qualidade dos recursos hídricos é um dos aspectos mais importantes em relação aos objetivos de segurança ambiental urbana, uma vez que o comprometimento dos recursos hídricos fragiliza os sistemas naturais e compromete as condições de vida da população local. É também um aspecto importante em relação à prevenção da degradação ambiental, pois uma alta qualidade dos recursos hídricos indica sucesso na prevenção da degradação deste recurso natural básico. O cálculo do indicador de qualidade dos recursos hídricos foi feito usando metodologia elaborada pelos órgãos ambientais estaduais das regiões metropolitanas estudadas, que permitem a comparabilidade dos resultados. Este indicador é composto de uma série de variáveis físico-químicas, tais como temperatura, turbidez, Ph, condutividade, demanda química de oxigênio, demanda bioquímica de oxigênio, fenóis, oxigênio dissolvido, mercúrio, níquel, óleos e graxas, amônia, dentre outros. 

Os dados utilizados na construção dos indicadores são provenientes dos órgãos ambientais estaduais.

- Cobertura vegetal. A preservação da cobertura vegetal também é de importância central para os objetivos de segurança ambiental e prevenção da degradação, uma vez que a vegetação original não apenas é, por si só, recurso natural básico, como também é suporte para a biodiversidade faunística e age como uma proteção natural contra a poluição atmosférica e alterações micro climáticas. O indicador de cobertura vegetal foi medido através da relação entre a cobertura vegetal remanescente e a área de domínio da cobertura original, a partir dos dados obtidos através de processamento de imagens de satélite e estudos da Fundação SOS Mata Atlântica.
Um terceiro indicador de importância chave em relação à qualidade do ambiente natural, a qualidade do ar, não foi incorporado ao índice por ausência de dados de monitoramento atmosférico confiáveis para a grande maioria dos municípios para os quais calculamos o indicador. No entanto, dentre os indicadores de estresse ambiental, dois são boas proxies da pressão exercida sobre a qualidade do ar, a saber, pressão industrial e pressão veicular. Desta forma, a ausência de um indicador de qualidade do ar não compromete a validade do índice ambiental.
Esta versão também não incorpora indicador de qualidade do solo, também de importância chave em relação à qualidade do ambiente natural, mais uma vez por falta de dados para a maior parte dos municípios estudados.

- Serviços sanitários. Este indicador é de importância central para os objetivos de segurança ambiental e prevenção da degradação. Água potável é uma das necessidades humanas mais básicas e o acesso a ela implica em redução de doenças de veiculação hídrica e em aumento da qualidade de vida.

 A falta de saneamento básico é um problema grave de saúde pública, responsável por inúmeras doenças e mortes, além de ser uma ameaça aos recursos hídricos. O indicador toma como proxy o acesso à rede pública de fornecimento de água, instalação sanitária adequada e acesso à coleta regular de resíduos sólidos urbanos, baseado no pressuposto que acesso a infra-estrutura sanitária adequada implica muito provavelmente em acesso a água potável, coleta de esgoto e disposição adequada de resíduos sólidos. Os dados utilizados na construção do indicador provém do Censo Demográfico de 2000 (IBGE, 2000).

- Habitação adequada. Este indicador é de importância central para o objetivo de segurança ambiental, no que se refere à segurança do ambiente construído, pois habitação inadequada implica em exposição a maiores riscos de morbidade e mortalidade. Além disso, diz respeito à necessidade humana básica de abrigo. O indicador toma como proxy o inverso da taxa de habitações sub normais. Habitações sub-normais correspondem a domicílios localizados em favelas e cortiços. Os dados utilizados na construção do indicador provém do Censo Demográfico de 2000 (IBGE, 2000).

 Os indicadores utilizados para medir o estresse ambiental gerado pela pressão antrópica foram:


- Pressão industrial. Este indicador mede a pressão exercida pelas atividades industriais sobre o ambiente e a qualidade de vida da população e se relaciona aos objetivos de seguraça ambiental e prevenção da degradação. Atividades industriais estão as principais fontes pontuais de poluição atmosférica, hídrica e do solo. A intensidade energética –energia consumida sobre o valor da produção em reais- foi considerada proxy da pressão industrial, acompanhando a literatura internacional que considera que indústrias com maior potencial poluidor apresentam, em geral, menor eficiência energética. Os dados utilizados na construção do indicador são provenientes das empresas fornecedoras de energia elétrica.

- Pressão intra-domiciliar. Este indicador mede a pressão exercida pelos domicílios superpovoados. Domicílios superpovoados implicam em reduzido espaço por pessoa e no uso de um único cômodo para cozinhar, dormir e realizar outras atividades domésticas, o que é considerado pela literatura como frequentemente associado a alto risco para a saúde humana (UNCHS, 2004). Também representam uma pressão para a construção de novas unidades residenciais, uma vez que devido ao baixo poder aquisitivo da população que demanda as novas unidades residenciais estas serão, em geral, construídas em favelas e outras ocupações irregulares, representando portanto um potencial para o crescimento do número de domicílios em condições sub-normais. O indicador foi medido através de duas variáveis, média de residentes por cômodos e a média de moradores por domicílio. Os dados utilizados na construção do indicador provém do Censo Demográfico de 2000 (IBGE, 2000).

- Pressão por consumo doméstico. Este indicador mede a pressão exercida por domicílios de alto poder aquisitivo.

As metrópoles brasileiras, por sua heterogeneidade, combinam desafios à sustentabilidade advindos da pobreza –como favelas, domicílios superpovoados, domicílios desprovidos de infra-estrurura básica- com desafios provenientes da riqueza –como a existência de uma parcela da população com altos padrões de consumo e uso intensivo de recursos naturais. A intensidade no uso energético domiciliar, medida pelo consumo energético domiciliar per capta, foi tomada como próxy da pressão por consumo doméstico. Tal escolha se deu em função de um alto consumo de energia elétrica domiciliar estar via de regra relacionado à utilização intensiva de aparelhos elétricos e eletrônicos, o que por sua vez denota um alto padrão de consumo. Os dados utilizados na construção do indicador são provenientes das empresas de fornecimento de energia elétrica.

- Pressão automotiva. Este indicador mede a pressão exercida pelo número de veículos em circulação. Veículos são a principal fonte de emissão de poluentes atmosféricos em regiões densamente urbanizadas. O número de veículos per capta é tomado como proxy da pressão automotiva. As informações para a construção deste indicador são provenientes da base de dados do governo estadual usada na cobrança de impostos sobre veículos automotivos.

O Índice de Capacidade Político-Institucional avalia a capacidade do sistema político-institucional e da sociedade de enfrentar os desafios da sustentabilidade urbana e oferecer respostas aos problemas a ela relacionados. Está relacionado às prioridades de sustentabilidade urbana relativas ao fortalecimento da cidadania e promoção do engajamento cívico. 


Ele é formado por quatro indicadores: autonomia político-administrativa; gestão pública municipal; gestão ambiental municipal; informação e participação política. Como mostra Environmental Sustainabiliy Index (2002), para que a sustentabilidade ambiental possa ser atingida, é necessário dotar as administrações locais de capacidade social e institucional, assim como construir padrões sociais de habilidades, atitudes e trabalho, para que se possa promover mudanças efetivas ao meio ambiente. O índice de Capacidade Política-Institucional foi medido através dos seguintes indicadores:

- Autonomia político-fiscal. Este indicador capta o grau de independência fiscal e política do governo local, que interfere diretamente em sua capacidade de executar políticas públicas e estabelecer suas prioridades.
Considerou-se como proxies a autonomia fiscal e o peso eleitoral. Autonomia fiscal é calculada como a relação entre arrecadação própria e os recursos advindos das transferências governamentais, expressando o grau de independência do governo local na obtenção de receitas públicas, o qual condiciona em grande parte o grau de autonomia para estabelecer prioridades. 

O peso eleitoral é calculado como a relação entre o número de eleitores do município sobre o número de eleitores do estado e a população do município sobre a população do estado, aqui tomado como uma proxy da influência do município no processo eleitoral, visto que o comparecimento às eleições no Brasil é obrigatório e a prática de ser eleitor em município outro que o da residência principal significativo em algumas regiões metropolitanas. Os dados utilizados na construção dos indicadores provém de banco de dados da Secretaria do Tesouro Nacional e dos Tribunais Eleitorais Estaduais.

- Gestão pública municipal. Este indicador capta a eficiência da máquina pública municipal e a existência de mecanismos de tomada de decisão democráticos que facilitem o engajamento cívico e fortaleçam a participação cidadã. O indicador toma como proxies: porcentagem de funcionários com educação superior; grau de informatização da máquina pública local; existência de instrumentos de gestão urbana; existência e regularidade no funcionamento dos Conselhos Municipais de Desenvolvimento Urbano e de Habitação. As três primeiras proxies medem a eficiência da máquina pública e a última mede a existência e funcionamento efetivo de mecanismos de gestão urbana democrática. Os dados utilizados na construção do indicador são provenientes da Pesquisa de Informações Municipais-Gestão Pública (IBGE, 2004).

- Gestão ambiental municipal. Este indicador capta a eficiência da máquina pública municipal na gestão ambiental. O indicador toma como proxies a existência e a regularidade das reuniões do Conselho de Meio Ambiente e as unidades de conservação municipal por 100 mil habitantes. As primeira proxy mede a existência e funcionamento efetivo de mecanismos de gestão ambiental democrática e a segunda mede um resultado específico da política pública local de conservação de recursos naturais. Os dados utilizados na construção do indicador são provenientes da Pesquisa de Informações Municipais-Gestão Pública (IBGE, 2004).

- Informação e participação política. Este indicador capta o grau de engajamento cívico e da participação cidadã. Toma como proxies: presença de ONGs ambientalistas registradas no Cadastro Nacional de ONGs Ambientalistas; participação político eleitoral –proporção de votos válidos nas últimas eleições municipais; peso da imprensa escrita e falada local na imprensa estadual (número de jornais ou rádios do município sobre o número de jornais ou rádios total no estado). Uma opinião pública bem informada é pré-requisito para o engajamento cívico. A participação político-eleitoral é uma boa medida do grau de interesse e envolvimento da população no governo local 
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 A presença de organizações ambientalistas legalizadas e acreditadas indica exercício de cidadania ambientalizada e engajamento cívico em questões relacionadas à sustentabilidade. Os dados utilizados na construção do indicador são provenientes da Pesquisa de Informações Municipais-Gestão Pública (IBGE, 2004) e de banco de dados dos Tribunais Eleitorais Estaduais.
O Índice de Desenvolvimento Humano Municipal –IBGE/FJP/PNUD– foi incorporado ao sistema de índices por sua credibilidade, disponibilidade e atualização para todos os municípios estudados. Ele mede as prioridades de sustentabilidade urbana relativas à superação da pobreza e promoção da equidade.
O IDHM mede em escala municipal os mesmos fenômenos medidos pelo consagrado Índice de Desenvolvimento Humano. Para a avaliação da dimensão educação, o cálculo do IDH municipal considera dois indicadores: taxa de alfabetização de pessoas acima de 15 anos de idade (com peso dois) e a taxa bruta de frequência à escola (com peso um). O primeiro indicador é o percentual de pessoas com mais de 15 anos capaz de ler e escrever um bilhete simples (ou seja, adultos alfabetizados). O segundo indicador é resultado de uma conta simples: o somatório de pessoas (independentemente da idade) que frequentam os cursos fundamental, secundário e superior é dividido pela população na faixa etária de 7 a 22 anos da localidade. Para a avaliação da dimensão longevidade, o IDH municipal considera o mesmo indicador do IDH de países: a esperança de vida ao nascer. O indicador de longevidade sintetiza as condições de saúde e salubridade daquele local, uma vez que quanto mais mortes houver nas faixas etárias mais precoces, menor será a expectativa de vida observada no local. Para a avaliação da dimensão renda, o critério usado é a renda municipal per capita, ou seja, a renda média de cada residente no município. A sua principal desvantagem é a pequena variação que apresenta de um município para o outro nas regiões metropolitanas, não refletindo, em toda a sua amplitude, as profundas desigualdades sociais intra-municipais (IBGE/FJP/PNUD, 2004).
 Fonte: http://www.scielo.cl/